quarta-feira, 5 de janeiro de 2011 | By: Leonardo Ramos

Irmãos Karamázov de Fiódor Dostoievski


“Se Deus não existe, então tudo é permitido”

Irmãos Karamázov pode ser resumido nessas oito palavras que formam um dos maiores dilemas humanos: a possibilidade da inexistência de um Deus que governe nossas atitudes. Embora não apareça no romance exatamente com essas palavras, a frase surge parafraseada nos textos acadêmicos de Ivan Karamazov, que apresenta os dilemas morais sobre a liberdade do homem diante da inexistência de um Deus total, tema preferido de filósofos modernos e existencialistas como Jean-Paul Sartre.

Irmãos Karamázov é considerado o Magnum Opus da literatura russa. O último romance de Dostoievski, que foi considerado por Freud como a obra mais importante da humanidade, traz a tona um assunto muito destrinchado em toda temática dostoievskiana: o assassinato.

O flerte de Dostoievski com homicídio é antigo. O exemplo mais explícito encontra-se em Crime e Castigo, que coloca em palco Raskolnikov, misantropo estudante que funda a teoria do “Homem extraordinário” e divaga sobre os direitos dos grandes homens sobre o assassinato. Outro clássico exemplo é “Os demônios”, único romance do autor russo de cunho político, que tem origem num episódio real de assassinato político.

Porém, Irmãos Karamázov orbita em torno de um crime mais restrito: o parricídio. Grande tabu humano representado por Sófocles na tragédia Grega, o parricídio é o ato de assassinar o próprio pai. O grande clímax do romance é o suposto assassinato de Fiódor Karamázov por seu filho Dmitri. Embora aconteça nos capítulos finais, a morte de Fiódor é o grande fio condutor da obra.

De início, somos apresentados à genealogia da família. Fiódor Karamázov é um homem devasso e em profunda decadência moral. Tivera três filhos, cada um de índoles completamente diferentes. Aliócha, o mais novo dos três, seguiu a vida monástica e tem como ídolo o monge Zóssima. Ivan Karamázov é o intelectual, ateu adepto ao niilismo. Intitulada de “O grande inquisidor”, o capítulo em que Ivan narra a Aliócha uma volta de Jesus no período da inquisição representa a mais famosa e perturbadora parábola sobre a liberdade do homem e o livre arbítrio. Por fim, Dmitri Karamázov é o filho que mais herdou o caráter boêmio e devasso do pai. Sempre metido em orgias e bebedeiras, este acaba apaixonando-se pela promíscua Grushenka, que é, na verdade, a catalisadora do assassinato de Fiódor Karamázov, pelo ciúme excessivo de Dmitri.

Contextualizando, temos uma Rússia que possuía, ainda, ranços feudais em comparação ao avanço tecnológico e humano do restante da Europa. Ao apresentar os irmãos como uma alegoria, Dostoievski nos mostra uma sociedade tricotômica: Aliócha representa a força da igreja ortodoxa russa, Ivan nos revela a intelectualidade e o niilismo, corrente filosófica introduzida por Turgeniev no pensamento russo, e Dmitri nos passa, talvez, uma crítica de Dostoievski à moral russa em decadência.

Irmãos Karamázov é um romance que embarca toda a alma russa em suas páginas. Nunca uma obra literária foi tão capaz de esmiuçar a natureza do homem e questionar sua liberdade quanto ele. Dostoievski tinha intenções de escrever sua continuação, porém veio a falecer uma ano após sua publicação.

Leitura obrigatória aos amantes da boa literatura russa, como eu.